Entrevista com Dom Darci José Nicioli

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“Todo Santuário é lugar do encontro: com Deus, com o outro e consigo mesmo”

Por ocasião da Festa de Nossa Senhora de Fátima, nos dias 12 e 13 de maio, nosso Santuário de Fátima da Serra Grande, em São Benedito (CE), receberá com imensa alegria a Imagem Peregrina de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, trazida por Dom Darci José Nicioli, CSsR, Bispo-auxiliar de Aparecida-SP, que será o pregador na Festa deste ano. Confira a entrevista que Dom Darci José concedeu à Revista Mãe de Fátima (RMF) comemorativa deste mês de maio:

RMF – Como o senhor avalia a colaboração dos santuários no contexto da nova evangelização?

Dom Darci José – Todo Santuário é lugar do encontro: com Deus, com o outro e consigo mesmo. No Santuário, o encontro com o Deus vivo é proposto através da experiência vivificante do Mistério proclamado, celebrado e vivido. Oferecem-se aos fiéis abundantes meios de salvação, anunciando a Palavra de Deus, incentivando adequadamente a vida sacramental e litúrgica, principalmente a Eucaristia e a celebração da Penitência, e cultivando as formas aprovadas de Piedade popular.

Destaco quatro elementos fundamentais, da colaboração dos santuários na ação evangelizadora da Igreja:

1- Lugar da aliança: O Santuário nos recorda que Deus está conosco, sempre esteve e sempre estará. Deus não compete com o homem, mas é seu parceiro fiel e continua derramando sobre o seu povo abundantes graças. O lugar sagrado, construído de cimento e tijolos – “pedras mortas” – leva-nos ao compromisso com Cristo que nos faz santuário de “pedras vivas”. É Deus que, ao habitar entre os seus e nos seus corações, faz de nós “seu santuário vivo”.

2- Lugar da Palavra: O Santuário é por excelência o lugar da Palavra de Deus, na qual o Espírito Santo chama à fé e suscita a comunhão dos fiéis. Nesse sentido, favorece o aprofundamento da fé e oferece ocasião excelente para a nova evangelização, num espaço privilegiado e num tempo favorável, diversos do cotidiano das paróquias e comunidades. Mais do que nunca é importante associar o santuário à escuta perseverante e acolhedora da Palavra de Deus, que não é qualquer palavra humana, mas o próprio Deus vivo no sinal da sua Palavra.

3- Lugar dos Sacramentos: O Santuário é lugar privilegiado das ações sacramentais, especialmente da Reconciliação e da Eucaristia, nas quais a Palavra de Deus atua e revela concretamente toda a sua eficácia. Quando se celebra um sacramento, não se faz algo, mas encontra-se com alguém, ou seja, com a pessoa de Jesus Cristo que se comunica com o fiel e o transforma. Portanto, o santuário, na celebração dos sacramentos, torna-se de fato lugar do encontro com o Senhor ressuscitado. Como nos diz São João Paulo II: “os santuários não são lugares do que é marginal e acessório, mas, ao contrário, lugares do essencial, lugares aonde se vai obter a Graça, antes ainda que as graças”. (Santuário de Loreto, 1993).

4- Lugar da Festa e da Esperança: No Santuário, o povo de Deus aprende a ser a Igreja da alegria. Ali, reunido à volta da mesma mesa da Palavra e da Eucaristia, experimenta a alegria da comunhão, com Cristo e com os irmãos na fé. Quem visita um santuário sabe que Deus já está em ação, por isso, o coração já pode estar repleto de alegria, confiança e esperança, não obstante o sofrimento, a morte, as lágrimas, que fazem parte da vida. O santuário não só nos recorda de onde viemos e quem somos, mas abre também o nosso olhar para discernir para onde caminhamos, rumo a que meta dirigimos nossa peregrinação, na vida e na história. O santuário, como obra da mão do homem, remete para o santuário definitivo do céu, a meta definitiva da nossa peregrinação nessa terra. Assim, o santuário oferece-se como um sinal profético de esperança.

Com esses pressupostos, compreende-se como uma atenta ação pastoral pode fazer dos santuários lugares para uma sempre nova e eficaz evangelização: lugares de educação para os valores da ética, em particular a justiça, a solidariedade, a paz e a salvaguarda da criação, para a Glória de Deus e o bem da Igreja, contribuindo para o fortalecimento da fé e o crescimento da qualidade de vida para todos.

RMF – Qual é a orientação do Papa Francisco para aprimorar a evangelização nos santuários?

Dom Darci José – O Papa Francisco quis visitar o Santuário de Aparecida e, na ocasião, durante a homilia da missa, confidenciou-nos algo que remete à importância dos santuários para a Igreja. Disse o Papa que, durante a V Conferência do Episcopado Latino-Americano, em 2007, observou como os “Bispos – que trabalharam sobre o tema do encontro com Cristo, discipulado e missão – eram animados, acompanhados e, em certo sentido, inspirados pelos milhares de peregrinos que vinham diariamente confiar a sua vida a Nossa Senhora: aquela Conferência foi um grande momento de vida de Igreja. E, de fato, pode-se dizer que o Documento de Aparecida nasceu justamente deste encontro entre os trabalhos dos Pastores e a fé simples dos romeiros, sob a proteção maternal de Maria”.  (Homilia, Aparecida, 2012)

Podemos intuir que, para o Papa Francisco, os Santuários são lugares privilegiados, onde o Povo de Deus vive o “sacerdócio comum dos fiéis”, deixando-se iluminar na mesa da Palavra e da Eucaristia, e iluminando, como discípulos missionários no exercício da sua vocação profética.

UntitledO Papa quer uma Igreja missionária, uma Igreja “em saída”, como nos diz Jesus: “Ide, pois, fazei discípulos meus…” Nesse “ide” estão presentes os cenários e os desafios sempre novos da missão evangelizadora da Igreja. (EG 20) Constituamo-nos em “estado permanente de missão!”, pede-nos o Papa. E os Santuários são uma missão continuada, um espaço privilegiado para o querigma – primeiro anúncio – e para o crescimento da fé.

As paróquias e as “outras instituições eclesiais – podemos aqui incluir os santuários – são uma riqueza da Igreja que o Espírito suscita para evangelizar todos os ambientes e setores. Frequentemente, trazem um novo ardor evangelizador e uma capacidade de diálogo com o mundo que renovam a Igreja”. (EG 29).

Portanto, o que o Papa Francisco pede à Igreja sobre a nova evangelização, podemos entender que se aplica também aos santuários: “uma mãe de coração aberto…”, “uma casa de portas abertas…” “que chegue a todos, sem exceção…” para, primordialmente, anunciar a bondade e a misericórdia de Deus, em Jesus Cristo.

RMF – Considerando a rotatividade do público que visita os santuários, que métodos de evangelização são mais eficazes?

Dom Darci José – Ninguém gosta ou quer ser tratado como número, daí a importância do acolhimento e do tratamento personalizado, mesmo em grandes Santuários como o de Aparecida. Assim, para uma competente e eficaz evangelização nos santuários devemos considerar: equipe de acolhida bem preparada; usar linguagem adequada nas pregações e celebrações; serviço de som de qualidade; espaço celebrativo harmônico e comprometido com a beleza; infraestrutura digna, com conforto e higiene. Cada peregrino deve se sentir único e ser tratado como pessoa.

UntitledO agente evangelizador deve saber que a assembleia eclesial num santuário é sempre heterogênea, constituída por: fiéis participantes e comprometidos, fiéis de rara participação, fiéis de nenhuma participação, fiéis que só receberam rudimentos da fé cristã, e turistas sem nenhuma relação com a Igreja. Portanto, os elementos doutrinais básicos não podem ser pressupostos, mas apresentados com sabedoria e com “didática”.

 

A liturgia é catequese em ato. Celebrando, o fiel aprende sobre o mistério de Deus e é provocado à fidelidade, na fé. Daí a importância do preparo e da beleza nas celebrações dos santuários.

A piedade popular é elemento importante para uma eficaz evangelização, pois fala à alma do nosso povo. Os santuários devem ser lugares privilegiados de manifestação e cultivo dessa expressão de fé.

A Eucaristia, o Sacramento da Reconciliação e as bênçãos, são os principais “serviços” que os santuários prestam aos fiéis. Portanto, a abundância de horários e a presença certa do agente pastoral são de fundamental importância, de maneira que os peregrinos não vejam frustradas suas expectativas.

UntitledA romaria não começa e nem termina no santuário. Por isso, a importância de acompanhar a romaria antes, durante e depois,  através das suas lideranças e por meio de roteiros oracionais oferecidos previamente.

Devido à rotatividade e sazonalidade características dos Santuários, a fidelização é balizadora da eficácia do método evangelizador adotado. Se o peregrino gosta e se sente acolhido, retorna com maior frequência.

RMF – Que fazer para que os peregrinos tenham uma vida de engajamento paroquial em suas comunidades locais?

Dom Darci José – Vivificado pela Palavra de Deus e pelos Sacramentos da fé, o peregrino que vem ao Santuário de “pedras mortas”, torna-se ele mesmo santuário de “pedras vivas” e, assim, percebe-se Igreja. Neste sentido, podemos dizer que as romarias fazem nascer de novo a Igreja viva, participativa, de comunhão.

 

A dinâmica da romaria provoca a conversão pessoal e comunitária, onde cada fiel pode discernir e maturar a própria vocação e tornar-se discípulo-missionário disponível para servir o outro, especialmente na comunidade paroquial, onde se articula a comunhão eclesial.

A fé é construída em mutirão! Sentir que tantos outros comungam da mesma opção de fé promove o sentimento de “corpo eclesial” no peregrino, despertando, fortalecendo e animando-o em sua caminhada eclesial.

A dimensão da festa, tão característica nos Santuários, colabora para o fortalecimento dos laços comuns e ajuda vencer o perigo da rotina e da monotonia na vida comunitária paroquial.

O ordinário é a paróquia e o extraordinário é o Santuário. Estas duas dimensões devem coexistir e se completar na ação evangelizadora da Igreja.

O Santuário, necessariamente, deve estar em comunhão com as orientações pastorais da Igreja local onde está situado e, também, com a Igreja nacional, para ser instrumento de comunhão na evangelização.

 

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